Rafael Magalhães da Silva acordou às 2h da madrugada, caminhou quase uma hora debaixo de chuva até a agência da Caixa Econômica mais próxima e se estirou na calçada enlameada à espera de que a agência abrisse.
O sol saiu, trazendo um dia nublado que não apagou a noite escura no coração de uma pequena multidão amontoada sobre a lama na calçada quando a agência abriu, às 7h14. A morte rondava as pessoas, a alegria e a esperança. Cavalgava dois horrendos animais, indescritíveis. Qual dos dois mais destrutivo, mais mortal: a fome ou a Covid-19?
As portas se abrem e os empregados da Caixa partilham sofrimentos, temores e frustrações. Mas, naquele dia, Rafael Magalhães da Silva, mesmo tendo atravessado a madrugada debaixo de chuva, recebeu apenas um gentil “vai com Deus”. Rafael teve que voltar para sua casa sem nada, nem mesmo a quem reclamar de seus direitos. Restou-lhe o desabafo: “eu só quero que o governo me dê o que é meu, porque ele não tá dando o que é dele, é meu. De preferência, que desse para todos aqui. São trabalhadores como eu, que querem uma vida digna. Não é porque eu moro dentro da favela, que eu não tenho direito, eu tenho direito sim”.
Todos o dias, a humilhação se repete para 13 milhões de brasileiros que tentam fugir da fome se abraçando ao coronavírus nas portas da Caixa Econômica Federal. Enquanto isso, o miliciano que extorquiu a presidência da República, que tem um filme de ódio de classe sobre os olhos, só consegue ver, em toda essa desumanidade, uma minoria barulhenta. Mas, na verdade, não é uma minoria e infelizmente é – ainda – muito silenciosa. É nossa gente que sangra a luz do dia e expõe as vísceras, os restos de um massacre. É o escárnio dessa “pátria acima de todos”, menos dos ricos, e de seu “Deus acima de tudo”, inclusive da boa fé.
Relatos extraídos da matéria original em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/05/07/contribuintes-passam-a-madrugada-debaixo-de-chuva-no-rj-em-busca-do-auxilio-emergencial-de-r-600.ghtml